DA ENCICLOPÉDIA FRANCESA NO ILUMINISMO À WIKIPÉDIA NO SÉCULO 21
Leilane Andressa Bicho de Oliveira
Attico Chassot
Daniel Aldo Soares
RESUMO
Este texto é um ensaio (talvez, em uma mirada inicial, considerado acanônico) que deseja desconstruir preconceitos, bastante frequentes na academia, contra Wikipédia. Após colocar a enciclopédia francesa como o ícone ancestral da Wikipédia, se descreve algo deste mentefato cultural, que tem apenas 20 anos é talvez o melhor exemplo de uma ampla e irrestrita disseminação do conhecimento. Se destaca ser importante conhecer o contexto da elaboração do artigo, e por tal se traz detalhes em um prelúdio. Também o fato da escrita ocorrer em tempos pandêmicos parece válido estes serem relatados em posfácio. O posfácio parece ser um responso ao preludiar
Palavras-chave: Enciclopédia Francesa, Iluminismo, Wikipédia, Lives, Tempos Pandêmico.
À GUISA DE PRELÚDIO
De maneira usual parece importante saber o contexto no qual um artigo ou um livro foi escrito. Não sabemos o que mais agrada ao leitor saber: um retratinho do autor, com data de nascimento e formação acadêmica ou um relato do cenário e/ou ações do autor à redação do texto. Para nós é mais agradável a segunda opção (relato do cenário e/ou ações do autor), por tal a tecemos, aqui e agora, à guisa de prelúdio. Ainda recentemente, um de nós foi questionado por colega por colocar a Wikipédia como fonte de um artigo que pretendia encaminhar a renomado periódico
Naquele texto, como em outras situações, sentimos, não raro, uma desconfiança ou até um desconforto de colegas por ver referir a Wikipédia como fonte de alguma informação. Mesmo que a Wikipédia já tenha 20 anos ela parece ainda sofrer os mesmos preconceitos de 2001 (uma enciclopédia onde qualquer um pode escrever o que quiser, quando iniciou. Todos sabem que nunca foi assim. Nós propusemos, aqui e agora, preparar um pequeno texto evidenciando pelo menos duas informações basilares: 1) a Wikipédia (até por não ter anúncios e por ser de acesso livre universal) é o melhor exemplo de uma ampla e irrestrita disseminação do conhecimento. Aqueles que usuram enciclopédias em suporte papel podem amealhar pelo menos três nítidas vantagens da Wikipédia, quando comparada as de suporte papel: i) o custo muito elevado das enciclopédias; ii) a rápida desatualização e lenta atualização; iii) a dificuldade de manuseio. 2) não é fácil publicar um verbete na Wikipédia; ainda mais difícil é alterar, de maneira estável, algo em um verbete publicado por outros. Os wikipedistas, quais bem treinados cães de guarda, são altamente capazes na vigilância do que é publicado novo ou reformado do já publicado.
Assim, por se saber importante conhecer o contexto da elaboração do artigo proposto, pensamos ter justificado no proêmio a origem e o propósito do artigo que se dá a lume no segmento seguinte. Também o fato da escrita ocorrer em tempos pandêmicos parece válido estes serem relatados em posfácio. O posfácio, que anunciamos após artigo que cêntrico neste texto. O posfácio parece ser um responso ao preludiar está à guisa de despedida no segmento final. Para a laboração de segmento final, por razões de agendas foi dado voz a apenas um dos autores. Esta mais uma justificativa para a dita acanonicidade desta produção.
DA ENCICLOPÉDIA FRANCESA NO ILUMINISMO À WIKIPÉDIA NO SÉCULO 21
Por limitado que seja o espaço que temos, não se pede deixar de referir a Enciclopédia Francesa. Podemos, com bastante facilidade, reconhecer na simplesmente nomeada "Encyclopédie” como o ícone ancestral da Wikipédia. D'Alembert e Diderot coordenaram entre 1751 e 1780, os mais sábios filósofos do Século 18, que, com base nos ideais iluministas, pretendiam amealhar todo saber produzido até então, dispensa-lo a humanidade para criar o "cidadão esclarecido.” Este devia ter coragem de pensar por si mesmo e não sob influência da Igreja ou do Trono real (CHASSOT, 1993).
Ela é, talvez a obra fundamental do Século das Luzes, cujos 35 volumes continham praticamente todos os dados sobre as ciências naturais e humanas da época.
A Enciclopédia tinha o ambicioso objetivo de "traçar um quadro geral dos esforços da mente humana, em todos os gêneros, em todos os tempos", definindo que o verdadeiro "objetivo de uma enciclopédia é o de reunir os conhecimentos dispersos sobre a superfície da Terra, expor o seu sistema geral aos homens com os quais vivemos, para que os nossos descendentes, tornando-se mais instruídos, tornem-se, ao mesmo tempo, mais virtuosos e felizes" (CHASSOT, 2018, p. 168).
Quando se deseja mostrar a preocupação de homens e mulheres do Século das Luzes em resgatar o conhecimento até então acumulado, parece válido reconhecer a Enciclopédia, como "máquina de guerra posta a serviço das doutrinas filosóficas". Seu "Discurso preliminar" é considerado como a mais "admirável síntese do conhecimento humano". A Enciclopédia, como é conhecida L'encyclopédie ou Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers, l'ouvrage d'une société de gens de lettres (A enciclopédia ou Dicionário raciocinado das ciências, das artes e dos ofícios por uma sociedade de letrados) é talvez a obra fundamental do Século das Luzes, pois quando Diderot lançou em 1750 seu Prospectus, anunciando-a, delineou o aspecto ambicioso de "traçar um quadro geral dos esforços da mente humana, em todos os gêneros, em todos os tempos", definindo que o verdadeiro "objetivo de uma enciclopédia é o de reunir os conhecimentos dispersos sobre a superfície da Terra, expor o seu sistema geral aos homens com os quais vivemos, para que os nossos descendentes, tornando-se mais instruídos, tornem-se, ao mesmo tempo, mais virtuosos e felizes".
Mais de dois séculos depois temos a Wikipédia (a nossa fonte do texto a seguir é a própria Wikipédia) como um projeto de enciclopédia multilíngue de licença livre, baseado na web e escrito de maneira colaborativa. O projeto encontra-se sob administração da Fundação Wikimedia, uma organização sem fins lucrativos cuja missão é "empoderar e engajar pessoas pelo mundo para coletar e desenvolver conteúdo educacional sob uma licença livre ou no domínio público, e para disseminá-lo efetivamente e globalmente". Integrando um dos vários projetos mantidos pela Wikimedia, os mais de 51 milhões de artigos (1 044 829 em português, até 29 de outubro de 2020) hoje encontrados na Wikipédia foram escritos de forma conjunta por diversos voluntários ao redor do mundo. Quase todos os verbetes presentes no sítio eletrônico podem igualmente ser editados por qualquer pessoa com acesso à internet e ao endereço eletrônico. Em janeiro de 2020, havia edições ativas da Wikipédia em 299 idiomas. Em 2010, tinha cerca de 365 milhões de leitores. A Wikipédia é uma ferramenta de pesquisa amplamente utilizada por estudantes e tem influenciado o trabalho de publicitários, pedagogos, sociólogos e jornalistas, que usam seu material, mesmo que nem sempre citem suas fontes.
Wikipédia afasta-se do estilo tradicional de construção de uma enciclopédia, possuindo uma grande presença de conteúdo não acadêmico. A importância da Wikipédia tem sido notada não apenas como uma referência enciclopédica, mas também como um recurso de notícias atualizado com frequência, por conta da rapidez com que artigos sobre acontecimentos recentes aparecem. Estudantes têm sido orientados a escrever artigos para a Wikipédia como um exercício de explicar de forma clara e sucinta conceitos difíceis para um público não iniciado.
Embora as políticas da Wikipédia defendam fortemente a verificabilidade e um ponto de vista neutro, seus críticos acusam-na de viés sistêmico e inconsistências (incluindo o peso excessivo dado à cultura de massa) e alegam que ela favorece o consenso sobre credenciais em seus processos editoriais. Sua confiabilidade e precisão também são alvo de críticas. Outras críticas apontam a sua suscetibilidade ao vandalismo e à adição de informações falsas ou não verificadas. No entanto, trabalhos acadêmicos sugerem que vandalismos são geralmente de curta duração. Uma pesquisa de 2005 na revista Nature mostrou que os artigos científicos que eles compararam chegavam perto do nível de precisão da Encyclopædia Britannica e tinham uma taxa semelhante de "erros graves". Outra pesquisa de 2011 realizada pelo ForeSee Results e divulgada pela CNET mostrou que, em uma escala de satisfação de 0 a 100, os internautas atribuíram 78 pontos à Wikipédia, um resultado maior que o de outros sites consagrados.
COMO UM POSFÁCIO
Na laboração deste segmento final, como anunciado no segmento preambular, tem voz apenas um dos autores. Escrevo no ocaso de outubro de 2020. Desde o término da primeira quinzena de março estou em reclusão doméstica. Ainda na primeira quinzena de março fiquei uma semana em Marabá, como ocorreu a cada mês em 2019.
Em tempos anteriores à pandemia eu viajava quase a cada semana. Sou professor visitante sênior da Unifesspa, em Marabá, no Pará. No ano passado fiz palestras ou dei cursos em 21 universidades. Em 2019 fui 11 vezes a Marabá desde Porto Alegre, este ano, apenas uma. Não preciso dizer o porquê não fui mais. E neste março de 2020 duas novas realidades nos foram impostas: Fique em casa e se considere a todos com expertise em ensino remoto. A maioria estava despreparado para uma e outra das exigências.
Em 13 de maio fiz a primeira live na Universidade Federal do Cariri, em Brejo Santo, Ceará. Nem sabia muito bem o que era uma live. Já estive, neste fazer Educação, de maneira remota, em todos estados brasileiros e em países de quatro continente. Há lives assistidas por mais de meio milhar de pessoas. Esta é uma muito significativa diferença: o número de pessoas que atingimos. No ano passado, quando a cada mês ficava uma semana em Marabá, se atingisse meia centena de pessoas era ótimo. Em 24 de outubro participei de minha 62º live.
Não tenho dificuldades de afirmar — mesmo que possa ser taxado de démodé — que há menos de um ano não conhecia o artefato cultural que mais me envolve nestes dias pandêmicos. Hoje livros, revistas, aulas, palestras... nossos meios de buscar saberes parecem obsoletos. São suplantados ou descartados pelas lives. Devo reconhecer que foram as lives — da pandemia do bem — que me ejetaram do ostracismo.
Vez ou outra ouço a pergunta: quando vamos voltar ao normal? Resposta curta e objetiva: Nunca. Posso assestar meus óculos na Educação. Voltar ao normal seria voltar àquela Escola dogmática que Lutero ‘inventou’ na transição do medievo para os tempos modernos, no começo do Século 16? A estas normas que esperamos voltar?
Quase a propósito de ter referido a igreja medieval, encontrei em ritos eclesiais milenares algo que parece uma apropriada metáfora para o posfácio que tento tecer para este artigo que agora o leitor finaliza. As missas na igreja católica romana (e também os cultos luteranos) terminavam com um ‘Ite missa est’. Nas missas solenes este imperativo é solenemente entoado pelo diácono despedindo os fiéis, no ocaso de uma missa que já se estendera por quase três horas. Ite missa est! A missa terminou! O texto que nos propusemos escrever está a terminar!
Assim como o povo sabe que quando se faz o anúncio do fim da missa não é para se rejubilar pelo término de um cerimonial, mas é para se pôr em ação para disseminar o que fora anunciado no evangelho. O júbilo é pela perspectiva do escrito se fazer leitura.
Esses rituais religiosos eram, às vezes, cansativos, pois já no final do medievo muitos não entendiam o latim que a igreja católica romana usou em seus ritos até o Concílio Vaticano II (1962/1965). Há não muito assisti uma cerimônia de sepultamento em hebraico e mesmo já tivesse sido professor e diretor de uma escola judaica, suspirei aliviado quando a cerimônia terminou, pois não entendia as rezas. Assim era natural que o anúncio do fim da missa não tivesse sempre a melhor compreensão. E, talvez fosse celebrado porque a chatice terminara.
Acredito que a qualquer leitor que chega a este posfácio, depois de ler o escrevinhar precedente sabe o que lhe cabe enquanto se anuncia que artigo terminou. Como o ‘ite missa est’ não encerra a missa, se espera sonhadoramente que os fiéis levem o ‘ensinado’ mundo afora...
Este posfácio não é para manifestar júbilo pelo término de um artigo e muito menos para destacar o que ele tem mérito para ser levado ao V Seminário de Pós-Graduação da Unifesspa. Se deseja que este texto catalise ações para sair a semear propostas para pensar que vamos fazer para recuperar o que foi e está sendo demolido pelo (des)governo, quando terminar esta bipolar pandemia. Abeberemo-nos do texto e façamos, cada uma e cada um, sumarenta leitura que há de nos ensejar e tenhamos uma cada vez mais crítica Alfabetização Científica e, assim, ajudarmos para que tenhamos cidadãs e cidadãos que se envolvam com um Planeta melhor e mais justo.
BIBLIOGRAFIA REFERIDA
CHASSOT, Attico. A enciclopédia. Ciências & Letras. p. 78-88, v. 13, 1993.
CHASSOT, Attico. A ciência através dos tempos. São Paulo: Moderna, 2008, 2ª Edição (1ª Ed 1994, 32ª reimpressão em 2018) 280p. ISBN978-85-16-03947-1.
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