MEDIDAS NÃO OFICIAIS NA EXTRAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DO AÇAÍ EM UMA COMUNIDADE RURAL DO SUDESTE PARAENSE: POSSIBILIDADES DE DIÁLOGOS COM A ESCOLA
Edilene França Pereira SOUSA
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará
edilene@unifesspa.edu.br
Attico Inácio CHASSOT
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará
achassot@gmail.com
RESUMO
Este trabalho é um recorte da nossa dissertação, em andamento, que tem como objetivo investigar medidas não oficiais utilizadas na extração e comercialização de açaí pelos produtores da vila Nova Aliança, busca entender como produtores e atravessadores de açaí valorizam padrões de medidas regionais amazônicas, preservando suas raízes dentro de um contexto histórico e cultural considerando seus próprios modelos de medidas. A pesquisa destaca também como esses saberes podem ser articulados aos saberes escolares a partir de um diálogo com a etnomatemática. O campo da pesquisa é a Vila Nova Aliança, localizado na Rodovia Transamazônica KM 117, município de Novo Repartimento no sudeste paraense. A pesquisa é qualitativa de caráter etnográfico, o aporte teórico baseia-se na Etnomatemática principalmente em algumas obras de D’Ambrósio (2018, 2005), Kinijnik et.al (2013). O trabalho narra um panorama quando da implantação do sistema métrico decimal francês no Brasil, destaca a Revolta do Quebra Quilos, na década de 70 do Século 19, baseado no estudo de Monteiro (1995). Até o presente momento, podemos inferir que há conhecimentos matemáticos na extração e comercialização do açaí, muitas vezes diferentes dos da Matemática acadêmica, conhecimentos esses nas medidas não oficiais como a lata, saca e basqueta.
Palavras-chave: Extração e comercialização de açaí. Medidas não oficiais. Etnomatemática. Revolta Quebra Quilos
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa é continuação do trabalho de conclusão de curso realizado na graduação pela faculdade Licenciatura em Educação do campo (ênfase em matemática), na universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA). O trabalho aborda padrões de medidas não oficiais utilizados por produtores de açaí na Vila Nova Aliança e região, localizada no município de Novo Repartimento no sudeste Paraense. Ancorados na importância de valorizar as características de um determinado grupo procura-se identificar maneiras próprias para usar medidas não oficiais nas atividades laborais na extração e comercialização do açaí.
Diante das observações surgiu à necessidade de desenvolver estudos sobre as medidas não oficiais na extração e comercialização do açaí, com intuito de contribuir com estudos para a área da Educação Matemática, e assim perceber a necessidade de pensar esses saberes cotidianos como uma forma de pensar saberes escolares, trabalhar de forma contextualizada partindo de saberes e de questões próprias dos sujeitos. D’Ambrósio (2005, p. 44), afirma que “[...] justamente o essencial da Etnomatemática é incorporar a matemática do momento cultural, contextualizada, na educação matemática”. A partir desse pressuposto pensamos em uma questão norteadora que possa problematizar o seguinte ponto de pesquisa: Em que termos as medidas não oficiais oriundas da extração e comercialização de açaí na Vila Nova Aliança (Novo Repartimento-PA) podem ser articulados ao saber escolar, por meio do diálogo com a Etnomatemática?
Em busca de solução para a problemática foi realizada uma pesquisa na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), sendo seleciona duas dissertações intituladas, “Estudo da Utilização de Medidas Não Oficiais em uma Comunidade de Vocação Rural” escrita por Mauso (2016) e outra dissertação com o tema “A Braça num Contexto Etnomatemático: Seus Aspectos Políticos, Sociais e Econômicos nos Canaviais da Mata Sul de Pernambuco”, Freitas (2018).
Em seguida será apresentada uma pequena descrição sobre etnomatemática e suas relações com o cotidiano, uma breve explanação da Revolta do Quebra Quilos, logo após procedimentos metodológicos e por último os resultados discursões.
ETNOMATEMÁTICA E SUAS RELAÇÕES COM O COTIDIANO
A etnomatemática é um programa de pesquisa que investiga o conhecimento e o comportamento humano, apresenta como alvo principal História e Filosofia da Matemática, que investiga como a espécie humana com o passar do tempo cria estratégias de sobrevivência para atender suas necessidades, o programa aborda questões relacionadas ao comportamento e o conhecimento humano, (D’AMBRÓSIO, 2018).
Uma das bases da Etnomatemática é identificar práticas utilizadas por diferentes contextos culturais, na intenção de compreender o seu mundo e a sua realidade, ou seja, desempenha um papel fundamental no contexto das comunidades que valorizam suas tradições, pois, considera as experiências e cultura desse povo, procura entender como os sujeitos utiliza a matemática para solucionar um problema, (D’ AMBRÓSIO, 2005).
Mauso (2016) desenvolveu uma pesquisa com moradoras do Distrito de Talhado São Paulo-(SP) e identificou o uso de medidas não oficiais no cotidiano das pessoas ligadas à área rural, bem como as relações que eles constroem em suas atividades cotidianas entre estas medidas e os oficiais. Além disso, a pesquisa procura observar o impacto que a introdução das medidas oficiais provoca nas vidas destas pessoas. As analises mostraram conhecimentos matemáticos nas medidas agrárias desenvolvidas pelos sujeitos da comunidade, conhecimentos passados de gerações. A pesquisa mostra como esses saberes podem contribuir para os saberes escolares a partir da etnomatemática.
Neste contexto Freitas (2018) realizou um estudo que apresenta depoimentos de sujeitos, que são protagonistas de uma matemática que superou as barreiras do tempo com seu modo peculiar de mensurar as relações entre homem e a terra, ressaltando as heranças deixadas pelos colonizadores desde o período colonial, nos canaviais pernambucanos, evidenciando a Etnomatemática que disponibiliza critérios para o uso de unidades de medidas que, embora sejam convencionais para aquele povo, são consideradas não oficiais.
A etnomatemática que diversas comunidades utilizam no seu dia a dia seu significado está relacionada com as respostas às necessidades de sobrevivência, onde cada grupo sociocultural se utiliza de maneiras próprias de entender e explicar sua realidade (D’AMBRÓSIO, 2005).
REVOLTA DO QUEBRA QUILOS
Abordar o contexto histórico das medidas no espaço escolar é um ganho significativo para o ensino da matemática, isso nos remete a trazer ao cenário deste trabalho algo acerca da história do Brasil Império narrado no livro de Monteiro (1995). D Pedro 2º promulga em 26 de junho de 1862, a Lei Imperial nº 1.157, que determina a substituição, em todo o Império, de variados sistemas de pesos e medidas em uso em diferentes locais do território brasileiro, pelo sistema métrico francês, na parte concernente às medidas lineares, de superfície, capacidade e peso. A não adaptação do novo sistema métrico francês pela população causou no Brasil a Revolta dos Quebra Quilos que iniciou na Paraíba e se espalhou a outras províncias do Nordeste brasileiro, em 1874.
Sua principal reivindicação era o fim da aplicação dos novos sistemas de pesos e medidas, esse movimento marca uma história de lutas por direitos populares que durou cerca de um ano. No entanto, apesar da obrigatoriedade imposta por essa lei, não conseguiu fazer com que as medidas não oficiais deixassem de existir e serem utilizadas pelas populações até os dias atuais.
PROCEDIMENTOS METODOLOGICOS
Esta pesquisa é qualitativa, com abordagem etnográfica, de acordo com D’Ambrósio (1996) o essencial da pesquisa qualitativa é focar no sujeito, e na sua introdução e interação com o ambiente sociocultural e no ambiente natural. Para o desenvolvimento da parte teórica, estamos realizando revisão bibliográfica das quais fazem parte: periódicos, livros, trabalhos acadêmicos. Assim a revisão bibliográfica situa o leitor de outros estudos e das temáticas abordadas.
No desenvolvimento da parte empírica realizaremos pesquisa de campo na vila Nova Aliança, utilizando de instrumentos de pesquisa como observação e entrevistas. Propomos a partir da investigação elaborar uma cartilha voltado para os saberes regionais na extração e comercialização do açaí, contendo propostas de atividades matemática relacionadas a unidade de medidas oficiais e não oficiais. A finalidade da cartilha é apresentar um produto educacional para professores da comunidade e região a serem aplicadas nas turmas do ensino fundamental II, a fim de possibilitar possíveis contribuições da inserção desses saberes no ambiente escolar.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A partir das visitas na Vila Nova Aliança, até o momento, identificamos conhecimentos matemáticos nas medidas não oficiais utilizadas pelos produtores de açaí como a lata, saca e basqueta. Logo após a extração, os produtores realizam as medições em recipientes padronizados regionalmente sem o uso de qualquer medida oficial e assim o fruto é comercializado por toda região. Essas medidas não oficias envolvem diversos saberes matemáticos que atendem as necessidades dos produtores de açaí da comunidade e região, muitos desses saberes são diferentes da matemática acadêmica. Diante disso, D’ Ambrósio (2005) ressalta a importância de conhecer como vive e as formas como são desenvolvidas as práticas em comunidades, a partir desse conhecimento permite compreender o desenvolvimento do seu cotidiano e a sua relação com a matemática escolar. Knijnik et al (2013, p. 24) reforçam a importante de trazer a realidade para o contexto escolar, pois pode possibilitar que os conteúdos matemáticos ganhem significados e permite estabelecer ligações entre a Matemática escolar e a vida real dos estudantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A questão mais ampla, que direciona essa pesquisa, é identificar medidas não oficiais utilizadas pelos moradores da vila Nova Aliança na extração e comercialização do açaí. A partir da observação até o momento identificamos a lata, a saca e a basqueta como instrumentos de medidas utilizados matematicamente, atendendo a necessidade dos produtores de açaí na comunidade Vila Nova Aliança e região.
Para o desenvolvimento deste trabalho apresentamos a Etnomatemática como possibilidades de um diálogo entre os saberes nas medidas usadas pelos produtores de açaí da comunidade aos saberes escolares, uma vez que por meio desse diálogo pode proporcionar a valorização dos saberes culturais para uma aprendizagem significativa.
REFERÊNCIAS
D’AMBROSIO, U. Etnomatemática, justiça social e sustentabilidade. Estudos Avançados, v. 32, n. 94, p. 189-204, 13 dez. 2018.
D’AMBRÓSIO, Ubiratan. Etnomatemática: Elo Entre as Tradições e a Modernidade. 2ª Ed. Autêntica. Belo Horizonte, 2005.
D’AMBROSIO, Ubiratan; Educação Matemática: Da teoria a prática. 8.ed. Campinas, SP: papirus, 1996.
FREITAS, C.; “A Braça Revela a Prática Etnomatemática dos Trabalhadores Rurais nos Canaviais Pernambucanos”. Dissertação de Mestrado. Universidade Anhanguera de São Paulo, 2018
KNIJNIK. Gelsa...[et al]. Etnomatemática em movimento. - Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013, 2. ed, -- (Coleção Tendências em Educação Matemática, 25).
MAUSO, A.; “Estudo da Utilização de Medidas Não-Oficiais em uma Comunidade de Vocação Rural”. Dissertação de Mestrado. Rio Claro: Unesp, 2006.
MONTEIRO, H. de M.; Revolta do Quebra- Quilos. São Paulo, Ática, 1995.
Haveria possibilidade de evolução desse trabalho chegar à elaboração de um aplicativo para auxiliar as comunidades relacionadas?
ResponderExcluirSara Brigida Farias Ferreira
Bom dia! Nossa intenção não é essa, mas, elaborar uma cartilha com proposta de atividades que façam relação entre saberes escolares matemáticos a saberes tradicionais nas medidas não oficiais.
ExcluirEdilene França Pereira Sousa
ExcluirNos procedimentos metodológicos a pesquisa se propõe a fazer observação e entrevistas, mas quais seriam os sujeitos dessa investigação, os produtores de açaí, ou vai abranger também o ambiente educacional? Visto que, tem uma proposta de elaboração de uma cartilha para os professores da comunidade.
ResponderExcluirValdineia Rodrigues Lima
Bom dia! A pesquisa inicia-se com a realização de registros sobre a cultura local e as práticas cotidianas dos sujeitos da pesquisa nas atividades que envolvem o manejo do açaí, seguido a isso serão realizadas entrevistas com produtores e atravessadores de açaí da comunidade.
ExcluirPor que optou por não incluir professores e alunos em sua pesquisa?
ExcluirValdineia Rodrigues Lima
Estamos em tempos de pandemia, ficaria muito difícil envolver alunos,professores, produtores e atravessadores, englobaria um número muito grande de participantes da pesquisa.
ExcluirEdilene França Pereira Sousa
Olá. Primeiramente gostaria de parabenizar os autores pelo trabalho. De muita relevância. Gostaria de perguntar se pretendem apresentar a proposta para os professores das escolas? A poposta poderia ser apresentada através de um momento formativo (online), para que eles possam saber do que se trata e qual a intenção do trabalho no intuito de auxiliar o entendimento e a inserção da etnomatemática na escola, bem como a apresentação da cartilha para que possam explorar através de atividades didáticas com os alunos. Nesse sentido, os professores poderiam atuar como mediadores desse processo, além de inserir os conhecimentos populares sobre as medidas não oficiais que são utilizadas e muitos alunos desconhecem dentro do próprio município.
ResponderExcluirAssinado: Uiara Mendes Ferraz de Pinho
A finalidade da cartilha é apresentar um produto educacional para professores da comunidade e região a serem aplicadas nas turmas do ensino fundamental II, em turmas do 6º e 7º ano a fim de possibilitar possíveis contribuições da inserção desses saberes no ambiente escolar.
ExcluirAssinado Edilene França Pereira Sousa
Olá, Edilene. Parabéns pelo seu trabalho.
ResponderExcluirSenti falta de uma maior relação da sua pesquisa com o contexto escolar e muito mais uma relação com a etnomatemática propriamente dita. Nesse sentido, a introdução desses saberes etnomatemáticos na escola serão apenas uma dimensão da sua pesquisa, ou o escopo será o saber presente na extração e comercialização do açaí?
Olá! Jhemerson, obrigado pelas contribuições.
ExcluirO escopo será o saber presente na extração e comercialização do açaí? Sim relacionando os saberes nas medidas não oficiais usadas por produtores e atravessadores de açaí com o saber escolar.