O ENSINO DE CIÊNCIAS NA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: CONSTRUINDO RELAÇÕES COM PRINCÍPIOS DA EDUCAÇÃO POPULAR

Soraya Gonçalves Santos, e-mail: sorayasantos@unifesspa.edu.br
Ana Clédina Rodrigues Gomes, e-mail: ana.cledina@unifesspa.edu.br
Claudio Emidio Silva, e-mail: emidiosilva@yahoo.com.br

Este estudo se situa na temática sobre o ensino de ciências na educação escolar indígena e educação popular. Busca identificar relações entre princípios norteadores da educação popular e os princípios das propostas para o ensino de ciências de escolas indígenas do sudeste paraense. 

Os objetivos específicos traçados para o percurso da pesquisa são: identificar os princípios da educação escolar em ciências contidos no RCNEI – Referencial Nacional para as Escolas Indígenas; identificar os princípios da educação popular; identificar no RCNEI princípios norteadores que se afinizam com princípios da educação popular; identificar de que maneira estas possíveis relações entre educação popular e ensino de ciências no contexto da educação escolar indígena podem dialogar também com a esfera da formação de professores. 

O estudo aqui proposto se identifica com a abordagem qualitativa de pesquisa em educação de caráter exploratório, pois carrega em seu bojo algumas de suas características, Oliveira (s/d), traz como principais características da pesquisa qualitativa as seguintes: 

1ª) A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como fonte direta dos dados e o pesquisador como instrumento-chave; 
2ª) A pesquisa qualitativa é descritiva; 
3ª) Os pesquisadores qualitativos estão preocupados com o processo e não simplesmente com os resultados e o produto; 
4ª) Os pesquisadores qualitativos tendem a analisar seus dados indutivamente; 
5ª) O significado é a preocupação essencial na abordagem qualitativa. (Oliveira, s/d, p. 15) 

Destacamos a relevância do percurso da pesquisa na abordagem qualitativa. É no caminho que irá ser percorrido em busca de seus objetivos que será possível enxergar aquilo que é necessário para que se façam as análises e discussões necessárias. 

A abordagem qualitativa evidencia o sentido que os sujeitos imprimem à sua existência e àquilo que fazem e esta é uma das principais características deste estudo, já que uma das principais fontes de produção de dados para a pesquisa virá do diálogo com professores, isto é, daquilo que eles pensam acerca das suas próprias vivências naquilo que diz respeito ao seu campo de atuação. 

A entrevista como importante método de pesquisa qualitativa se desenvolve essencialmente na interação com o outro, “na entrevista a relação que se cria é de interação, havendo uma atmosfera de influência recíproca, entre quem pergunta e quem responde.” (Lüdke e André, 1986, p. 33) 

Para melhor aproveitamento das rodas de conversa como instrumento de coleta de dados, será construído um roteiro semiestruturado para que se tenha elementos guias para garantir que temas prioritários não escapem, e, ao mesmo tempo, seja possível construir um diálogo mais fluido. 

A primeira etapa do estudo, consistiu na realização de levantamento de pesquisas desenvolvidas nos últimos dez anos no território nacional publicadas no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes. 

O estudo encontra-se em fase de desenvolvimento e nos encontramos na etapa de construção de seu referencial teórico, o que irá conferir suporte científico para a análise documental e do conteúdo extraído dos diálogos com os professores. Este referencial irá perpassar os eixos temáticos da educação popular, da educação escolar indígena, de pontos referentes ao currículo, e da formação de professores para a educação escolar indígena. 

Construídas as categorias, será realizada a análise das orientações pedagógicas contidas no RCNEI para o ensino de ciências nas escolas indígenas, e das transcrições dos diálogos com os professores. Com isso, buscaremos identificar neste processo de análise relações existentes entre o que preconiza o RCNEI, o que pensam os professores que ensinam ciências em escolas indígenas e o que diz a literatura. 

No ponto em que nos encontramos, já é possível perceber relações entre os eixos da educação popular e da educação escolar indígena. Alguns dos elementos que nos aponta para este horizonte é o fato de a educação popular tende a se relacionar com a educação escolar indígena pela sua compreensão de que uma educação diferenciada deve considerar todos os seus aspectos e dimensões, por isso, “a educação popular como modelo teórico conceituado pode oferecer grandes alternativas para a educação formal.” (GADOTTI, s/d, p. 19) 

Um elemento importante é que a educação popular é uma abordagem que valoriza a construção coletiva do conhecimento e do fazer educacional, “a educação popular não é uma atividade pedagógica para, mas um trabalho coletivo em si mesmo, ou seja, é o momento em que a vivência do saber compartido cria a experiência do poder compartilhado.” (BRANDÃO, 2006, p. 90) 

Uma educação que se orienta pelos pressupostos da educação popular tem como princípio importante a valorização dos saberes do grupo. Numa perspectiva indígena de educação, este elemento é indispensável, uma vez que os povos indígenas possuem cultura e mecanismos próprios de perpetuação de seus saberes tradicionais. 

Nesta direção, ela, a educação popular, defende uma abordagem em que os sujeitos e seu modo de estar no mundo e com o mundo não sejam ignorados, ao contrário, que se sejam matéria prima da prática pedagógica, ajudando a alcançar uma educação para a autonomia, para Freire (1996) “a aprendizagem da assunção do sujeito é incompatível com o treinamento pragmático ou com o elitismo autoritário dos que se pensam donos da verdade e do saber articulado.” (Freire, 1996, p.42) 

A discussão que aqui está se construindo sobre educação escolar indígena tem como foco o campo do que estamos chamando de ensino de ciências, que no contexto das aldeias suscita ao pensamento sobre ensinar a partir daquele universo em que os alunos já se encontram, relacionando seus próprios conhecimentos e seu meio de existência aos conhecimentos cientificamente produzidos, o que nos remete ao princípio da dialogicidade entre saber popular e saberes técnicos ou difundidos no meio acadêmico. 

Antunes (2009) destaca a relevância de uma educação escolar indígena que esteja conectada com a realidade de seus partícipes quando afirma que “a busca indígena pela construção de um ensino específico converge com as proposições de Paulo Freire sobre a necessidade de uma pedagogia situada.” (Antunes, 2009, p. 75) 

Então, abordar os conteúdos propostos para o ensino de ciências junto às populações indígenas significa superar a ideia de mera apreensão dos conteúdos para a relação daquilo que já se conhece como parte inerente de seu povo e cultura com aquilo que tem sido partilhado cientificamente conforme as demandas que emergem de determinado povo. 

Estes são alguns dos elementos que motivaram e motivam o desenvolvimento deste estudo, que permite olhar o fenômeno da educação escolar indígena em ensino de ciências a partir da lente da educação popular, apontando ainda para possíveis contribuições com o campo de pesquisas acerca da educação escolar indígena na região. 

REFERÊNCIAS
ANTUNES, Cláudia. Escola, Pensamento Indígena e Pensamento Ocidental: Reflexões para Pensar a Educação Escolar Indígena. Porto Alegre - RS, 2009. 

BARÃO, Vanderlise Machado. Educação Indígena: Um breve histórico constitucional e propostas para uma escola diferenciada. Biblos – Rio Grande, 2008. 

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Educação Popular. São Paulo, Brasiliense, 2006 

COLARES, Ancelmo Alencar. Afirmação Étnica e Educação Escolar Indígena do Povo Munduruku de Marituba. Belterra – Pa, 2013. 

Diretrizes Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica. Ministério da Educação, 2012. 

FERREIRA, Waldinéia Antunes de Alcântara; ZITKOSKI, Jaime José. Educação Escolar Indígena na perspectiva da educação popular: em defesa da pedagogia cosmo antropológica. Revista Antropológica do Mestrado em Educação Ambiental. FURG, 2017. 

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia, saberes necessários à prática educacional. São Paulo: Paz e Terra, 1996. 

GADOTTI, Moacir. Educação Popular, Educação Social, Educação Comunitária: conceitos e práticas diversas, cimentadas por uma causa comum. s/edt., s/local, s/d.

Comentários

  1. Olá, Soraya. Primeiramente, parabéns pela importante pesquisa.
    Sobre os aspectos metodológicos do seu trabalho, uma sugestão: para o tratamento dos dados (documentos e entrevistas), você pode utilizar a análise de conteúdo sob a perspectiva da Laurence Bardin. Caso tenha interesse, posso te encaminhar materiais a respeito.


    Jhemerson da Silva e Neto

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    Respostas
    1. Tenho muito interesse sim, Jhemerson! Irá me ajudar muito na metodologia do estudo!
      Muitíssimo obrigada pela leitura e pela contribuição!

      Soraya Gonçalves Santos

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